Este texto foi um relato de um bate papo com um dos maiores fotógrafos de todos os tempos, um dos ilustres seres-humanos desse comlexo planeta. Na época, eu cursava Jornalismo no Espírito Santo(2003). O texto foi publicado no site www.diretodaredacao.com.br, pelo seu dono, o Jornalista Eliakim Araújo.
PASSEIO COM SALGADO (Ivan Ruela)
Foi em meados de Janeiro de 2003, quando, de férias da faculdade sem ter exatamente o que fazer em Aimorés — quem conhece, sabe muito bem das “diversidades” de lazer desta cidade — resolvi fazer um curso no Instituto Terra. Para quem não sabe, é um projeto de reflorestamento da Mata Atlântica, idealizado por Sebastião Salgado e sua esposa Lélia Salgado.
O curso foi sobre “Noções de Meio Ambiente em Práticas Agrícolas”, ministrado pelo Professor da Universidade Federal de Viçosa e Engenheiro Agrônomo, Marcelo Libânio. Aliás, eu era um dos poucos leigos na sala, composta em sua maioria por Técnicos Agrícolas e Agrônomos. Apesar de ter sido criado em Aimorés, não conhecia pessoalmente o mentor de toda aquela organização ambiental, um dos mais consagrados fotógrafos do mundo. E ali estava ele, passando em frente à sala de aula, quando o professor o chamou. Portando três máquinas fotográficas — recordo-me apenas da marca de uma: Leica —, ele entrou olhando no olho de um por um, interrogando-nos de onde éramos. A maioria era de técnicos do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf). Itarana, Colatina e Pancas eram algumas das cidades com representantes. Salgado, ao sentir uma forte presença capixaba no local, não hesitou em elogiar e relatar a sua proximidade e carinho com o estado vizinho. “Sou mineiro fanático, e capixaba fanático também”, assumiu. “Nasci na divisa dos dois estados e assim me sinto dividido”, decretou. Salgado vive em Paris com a esposa, mas quase sempre viaja ao Brasil, onde divide seu tempo entre o Instituto, expondo fotos e procurando apoio para a ONG, e viagens pelo País afora. Além de possuir uma casa na Ilha do Boi, em Vitória, ele fixou sua residência em Aimorés na Fazenda Bulcão — já que depois de ter perdido os pais no último ano, vendeu sua casa no Centro da cidade.
Como eu havia entrevistado meses antes o engenheiro agrônomo Jaeder Lopes, a respeito da ONG, para o site www.focasnarede.rg3.net, me apresentei ao ilustre fotógrafo e informei a ele sobre a matéria feita com Jaeder. Como não tinha um lugar para me apoiar para escrever o nome do site, encostei a folha de papel sobre uma enorme foto com índios, na entrada do anfiteatro do local. Daí senti um tapa em minhas costas, e uma voz de autoridade: “Não escreva aí que você estraga a foto!”. Pedi desculpas e dei o nome do site. Daí já dava pra perceber a dedicação e apego que ele reserva a seu trabalho, demonstrados em sua atitude.
Como todo curso tem sua atividade extraclasse, saímos num verdadeiro “comboio” com a finalidade de conhecer toda a Fazenda Bulcão — herdada por Salgado, onde se situa a RPPN (Reserva Particular de Patrimônio Ambiental). Como os técnicos agrícolas já estavam com seus carros do órgão que trabalhavam, não pensei duas vezes e pedi a Salgado para ir com ele. A bordo de uma Hilux branca, subimos morro acima, acompanhados ainda de um colega e de um técnico agrícola. Logo no começo da expedição, Salgado ao ser indagado por um dos ocupantes do carro, confirmou mais uma vez sobre sua admiração pelo Espírito Santo: “O que mais me chama a atenção daquele estado é a diversificação de suas belezas naturais, montanhas de um lado e o mar, do outro”. Diversificado, aliás, foi o papo nesse percurso: política, jornalismo, meio ambiente, cultura, Brasil, Aimorés...etc..etc. “Estou muito contente com a vitória do Lula, acho que será um grande avanço social e cultural para o país, coisa que o outro governo deixou a desejar”. Conta ele, que disse ser amigo de longa data do atual presidente e da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Salgado ainda contou que seu trabalho é de cunho jornalístico, pois aborda problemas sociais, e têm publicações em revista e jornais. A preocupação dele com o meio ambiente pode ser entendida numa frase de uma entrevista ao Portal Terra:
“A pobreza e a destruição do Meio Ambiente estão relacionadas. Uma das causas de tanta pobreza é a ligação direta entre o Meio Ambiente e o crescimento populacional. Não protegemos nossos próprios recursos naturais e já destruímos a maior parte das florestas tropicais. No Brasil, por exemplo, o desmatamento, a exploração e exportação madeireira, a pecuária e a mineração estão acabando com a floresta, o meio de vida dos índios. Com o resultado, eles estão morrendo”.
Num certo ponto do passeio, todos os carros pararam. Sebastião Salgado aponta para as mudas que estão brotando, diferentes árvores crescendo, explica como era o local antes: “Aqui existiam dois córregos, ambos tinham jacarés. Aliás, animal era o que não faltava aqui na região — pacas, capivara, eram muitos comuns aqui na Fazenda”. O otimismo, uma das marcas de Salgado, é exibido numa frase logo depois: “Uma onça-pintada, foi vista aqui há alguns dias, os bichos estão voltando...”, conta eufórico.
De volta ao carro, e continuando a mini-viagem, ele mostra uma paisagem que chama a atenção de todos. De longe avistamos os dois rios que banham Aimorés, o Doce e o Manhuaçu. “Conheço mais de noventa países, e essa para mim é uma das belas paisagens do mundo”. Descendo novamente do carro, deparamos com um fato inusitado: uma peroba nascida em cima de outra, que foi derrubada há anos. Falando em perobas, aliás, Salgado ainda comemora ter feito uma parceria com Washington Olivetto: “Uma campanha publicitária que oferecerá pés de Peroba para empresários e artistas em geral. Vai custar cerca de seis mil dólares cada um, só que não serão retirados, terão uma placa com o nome da instituição ou da pessoa doadora”.
Um dos orgulhos do fotógrafo mineiro é também ter no conselho consultivo da ONG pessoas como Chico Buarque, João Pedro Stédile e Fernando Morais. O projeto de um hotel para produtores estrangeiros e a assinatura de um convênio com a Prefeitura de Belo Horizonte, que cederia técnicos do Zoológico Municipal, são outras amostras de empenho de Salgado, que a todo momento que conversava conosco, sempre batia fotos, fazendo um revezamento entre as três possantes máquinas que carregava.
Foi então, curioso, que perguntei: “Sebastião, você usa máquina digital?”. Ele respondeu, ironicamente: “Meu caro, nem sei ligar um computador”. Serviu como lição. De que vale ser um robô nesse mundo global, se não tivermos consciência para enxergar os problemas que nele existem?
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